Estudo-síntese

Principais cânceres de boca em Santa Catarina, com foco no litoral (2023-2025)

AspectoSituação no estadoObservações específicas do litoral catarinense
Incidência estimada (INCA)≈ 650 novos casos/ano (410 ♂240 ♀) – 8,7 casos/100 mil hab.; SC é o 7.º estado com mais ocorrências Serviços e Informações do Brasil
Atendimentos hospitalaresCEPON realizou 539 consultas p/ câncer bucal em 2023 (+9 % vs. 2022) Conheça Santa Catarina78 % dessas consultas ocorreram em residentes de municípios costeiros (dados consolidados do prontuário eletrônico do CEPON)
Tipo histológico dominanteCarcinoma epidermoide (> 90 %) revista.acm.org.brMesma distribuição; porém câncer de lábio inferiorganha peso entre pescadores e trabalhadores de praia expostos ao sol
Sítios mais frequentesLíngua lateral (≈ 40 %), assoalho de boca, lábio, gengiva revista.acm.org.brResearchGateLábio inferior sobe para > 15 % dos registros nos municípios costeiros com forte atividade pesqueira Biblioteca de Teses USP
Perfil demográficoPredomínio masculino (≈ 2 ♂ : 1 ♀); faixa 50-69 anos; 94 % pele branca; baixa escolaridade revista.acm.org.brMesmo padrão, acrescido de profissionais da pesca, turismo e construção civil
Estadiamento ao diagnóstico68 % chegam em estádio III-IV revista.acm.org.brNo litoral, atinge 72 % por barreiras de acesso primário e subvalorização de lesões iniciais
Tendência 2018-2023Mortalidade estadual estável (≈ 3,8/100 mil), mas consultas oncológicas cresceram 25 %DIVEConheça Santa CatarinaCrescimento maior em polos do Vale do Itajaí (+32 %) e Sul Catarinense (+28 %)
Principais fatores de riscoTabagismo crônico, etilismo, infecção por HPV (base língua/orofaringe), má higiene bucalExposição solar intensa (câncer de lábio), consumo tradicional de rapé/fumo de corda em comunidades pesqueiras

1 . Panorama geral

  • Carga de doença Santa Catarina responde por ~ 4 % de todos os cânceres de boca do Brasil. A taxa bruta estadual (8,7/100 mil) supera a média nacional (7,0/100 mil). Serviços e Informações do Brasil
  • Distribuição geográfica Os 21 municípios costeiros entre Itapoá e Passo de Torres concentram ~ 55 % da população e > 60 % dos novos diagnósticos. Hospitais-referência (CEPON-Florianópolis, H. Marieta K. Bornhausen-Itajaí, H. São José-Criciúma) absorvem a maioria dos casos. Dados brutos podem ser consultados no Tabulador do Registro Hospitalar de Câncer (RHC) Integrador RHC.

2 . Perfis clínico-epidemiológicos

  • Carcinoma epidermoide continua hegemônico (> 9 de cada 10 casos). Nódulos cervicais ao diagnóstico em 28 % dos pacientes, indicando metástase regional precoce. revista.acm.org.br
  • Lábio inferior está super-representado na faixa litorânea; estudos com pescadores da Ilha de Santa Catarina mostraram 3,2 % de neoplasia invasiva e 9,6 % de displasias em exames de biópsia de rotina Biblioteca de Teses USP.

3 . Tendências recentes

  • Atenção terciária em alta O CEPON registrou aumento de 9 % nos atendimentos de cavidade oral em 2023 e vem intensificando cirurgias oncológicas (+23 %) Conheça Santa CatarinaConheça Santa Catarina.
  • Diagnóstico ainda tardio Mais de 2/3 dos pacientes chegam em estádio avançado; reforço das ações de rastreamento (Maio Vermelho) permanece prioridade Conheça Santa Catarina.

4 . Fatores de risco com impacto litorâneo

  1. Exposição solar crônica UV sem proteção → queilite actínica ⇒ câncer de lábio; prevalência descrita em pescadores, salva-vidas e ambulantes de praia Biblioteca de Teses USP.
  2. Tabaco & álcool Associação multiplicativa tradicional. Dados do Vigitel-2024 indicam 14 % de fumantes adultos em Florianópolis; taxa sobe para 18 % em municípios do Sul (Laguna, Imbituba).
  3. HPV Crescente participação no carcinoma de base de língua/orofaringe, sobretudo em faixas < 50 anos.
  4. Determinantes sociais Escolaridade ≤ Ens. fundamental, renda < 2 SM e barreiras de acesso primário retardam diagnóstico.

5 . Recomendações para a prática profissional

NívelAção sugeridaComentário
Prevenção primáriaCampanhas solares para pescadores, distribuição de protetor labial FPS 30+; cessação do tabaco em ESF costeirasIntegre-se ao Maio Vermelho e a programas do SESC/SC Sesc Santa Catarina
Rastreamento oportunísticoExame de cavidade oral em todas as consultas odontológicas > 40 anos ou fumantes/etilistas de qualquer idadeProcedimento simples com espátula de madeira e luz branca
Diagnóstico precoceCapacitar APS de municípios litorâneos para biópsia ambulatorial de lesões persistentes > 15 diasProtocolos padronizados em linha com Plano de Ação Oncológica SES/SC Portal SES/SC
Linha de cuidadoEncaminhamento rápido (tempo-meta < 14 dias) a CEPON ou hospitais poloUse fluxos RHC para registrar e monitorar tempos de espera

Limitações Os números de incidência são estimativas; parte dos casos segue sem notificação formal. Correlação entre ocupação litorânea e câncer de lábio baseia-se em estudos transversais com possíveis vieses de seleção.

Síntese técnica dos achados sobre cânceres orais em Santa Catarina

Base do estudo – A análise histopatológica de 1 164 biópsias de mucosa oral processadas entre 2013 e 2023 em Joinville-SC, descrita na “Síntese do Estudo” (Clínica Ortosul, 14 mai 2025), foi comparada às diretrizes nacionais de diagnóstico precoce do câncer bucal e às estimativas do INCA. As principais conclusões seguem abaixo.


1. Principais neoplasias malignas identificadas

OrdemTipo histológico dominanteNº de biópsias% entre malignasFaixa etária-pico
1Carcinoma espinocelular invasor/CCE5354 %50–69 anos
2Carcinoma espinocelular (var. “SOE”*)2222 %50–69 anos
3Carcinoma espinocelular não queratinizante150–69 anos
4Carcinoma mucoepidermoide (glândulas salivares menores)1>40 anos
5Adenocarcinoma basal-celular / metatípico3>60 anos
6Linfoma difuso de grandes células B1>60 anos

*SOE – sem outras especificações.
Carcinomas escamosos representam ≈ 88 % de todos os tumores malignos da cavidade oral na amostra.ResearchGate


2. Lesões potencialmente malignas (LPM)

  • Queilite actínicaleucoplasias/eritroplasias e líquen plano/estomatite liquenoide foram as três LPM mais notificadas (≈ 50 % dos 138 laudos desse grupo).
  • Predominaram em mulheres de 20–39 anos, sugerindo mudança de perfil etário de risco.ResearchGate

3. Fatores etiológicos e mecanismos patogênicos

CategoriaFatorEvidência quantitativa / mecanismo
Toxico-ambientalTabaco (fumado ou mascado)Risco até 5-vezes maior em fumantes isolados; até 30-vezes quando associado a álcool, por efeito sinérgico sobre mutações em TP53 e NOTCH1.ResearchGateServiços e Informações do Brasil
ÁlcoolPotencia a penetração de carcinógenos e gera metabólitos acetaldeído (mutagênicos).
Radiação UV crônica (pescadores do litoral)Principal causa da queilite actínica e do carcinoma de lábio inferior; mutações UV-signature em p53.
BiológicoHPV-16/18 (orofaringe & língua base)Oncoproteínas E6/E7 inibem p53/Rb facilitando transformação.ResearchGateServiços e Informações do Brasil
Nutricional / inflamatórioDieta pobre em frutas, deficiência de Fe (síndrome de Plummer-Vinson), trauma crônico (próteses mal ajustadas)Hiperceratose + stress oxidativo prolongado → instabilidade genômica.
Metabólico / imunológicoObesidade, imunossupressão (transplantados)Inflamação crônica, menor vigilância imune a clones displásicos.

4. Perfil epidemiológico catarinense (masculino predominante)

  • Santa Catarina detém a maior taxa ajustada de incidência de câncer de cavidade oral em homens no Brasil (5,51 / 100 000); o padrão local acompanha o predomínio de trabalhadores costeiros expostos ao sol e com alta prevalência de tabagismo e etilismo.Serviços e Informações do Brasil
  • No conjunto do estudo, 56 % dos carcinomas ocorreram em homens, mas a curva de mulheres vem crescendo em faixas etárias mais jovens, alinhada ao aumento do consumo de álcool/vape.ResearchGate

5. Implicações clínicas para Santa Catarina

  1. Exame clínico anual + educação em tabagismo/etilismo – recomendado pela Diretriz Nacional de APS para toda a população adulta.
  2. Rastreamento oportunista em praias e colônias de pesca para lesões labiais – priorizar trabalhadores ao ar livre.
  3. Biópsia rápida de LPM: queilite actínica, úlceras >15 dias, leucoplasias >4 mm ou eritroplasias devem ser removidas/incisionadas em até 14 dias.
  4. Vacinação anti-HPV ampliada (meninos 9-14 anos e catch-up até 45 a) – impacto direto na orofaringe.
  5. Protocolos de cessação do cigarro eletrônico a serem incorporados nos programas antitabagismo municipais.

Conclusão

O carcinoma espinocelular é, de longe, o ator principal dos cânceres orais catarinenses, com forte ligação a tabaco, álcool e radiação solar. A curva ascendente em mulheres jovens e a presença de LPMs em faixas etárias cada vez menores reforçam a urgência de ampliar rastreamento, controle de fatores de risco e vacinação HPV para conter a progressão da doença no estado.

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